quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

António Lobo Antunes

Ainda não decidi se gosto ou não da escrita de António Lobo Antunes (ALA), tenho lido algumas crónicas na revista visão, uma ou outra coisita aqui ou ali, mas ainda não tenho a opinião formada. Se por vezes me parece que a escrita dele flui como as águas de um ribeiro de pois de um dia de trovoada e entranha-se em nós como o calor africano, há alturas em que me parece que está a fugir mais para o "pretensioso burguês" (bem acho que acabei de inventar um adjectivo e se calhar não foi nada brilhante). Contudo descobri este poema da autoria de ALA, que quando lido na cadência certa é fabuloso, espero que gostem dele tanto quanto eu...

António Lobo Antunes

"Todos os homens são maricas quando estão com gripe”
(pasodoble)


Pachos na testa
terço na mão
uma botija
chá de limão
zaragatoas
vinho com mel
três aspirinas
creme na pele
grito de medo
chamo a mulher
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer
mede-me a febre
olha-me a goela
cala os miúdos
fecha a janela
não quero canja
nem a salada
ai Lurdes Lurdes
não vales nada
se tu sonhasses
como me sinto
já vejo a morte
nunca te minto
já vejo o inferno
chamas diabos
anjos estranhos
cornos e rabos
vejo os demónios
nas suas danças
tigres sem listras
bodes de tranças
choros de coruja
risos de grilo
ai Lurdes Lurdes
que foi aquilo
não é chuva
no meu postigo
fica comigo
não é vento
a cirandar
nem são as vozes
que vêm do mar
não é o pingo
de uma torneira
põe-me a santinha
à cabeceira
compõe-me a colcha
fala ao prior
pousa o Jesus
no cobertor
chama o doutor
passa a chamada
ai Lurdes Lurdes
nem dás por nada
faz-me tisanas
e pão-de-ló
não te levantes
que fico só
aqui sozinho
a apodrecer
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer.


OBS: Depois deste poema ele começa a fluir bastante melhor